Caso Bruno: cabe Justa Causa? Ponderações Jurídico-Trabalhistas
Dentre os fatos com repercussão na mídia envolvendo o caso do goleiro Bruno, recentemente foi divulgado que a Presidente do Flamengo teria declarado que o clube promoveria a dispensa por justa causa. E tudo indica que o ato teria sido praticado, mas reconsiderado. A intenção do presente texto consiste na abordagem de algumas ponderações de natureza jurídico-trabalhistas sobre o tema. E desde já saliento que a questão não me parece ser tão simples assim, ou seja, tenho muitas dúvidas sobre a possibilidade de justa causa no cenário atual.
Neste sentido, entendo é preciso considerar alguns aspectos, envolvendo qual a repercussão da presente situação sobre o contrato de trabalho, a efetiva possibilidade de se promover a rescisão por justa causa e as peculiaridades dos efeitos deste ato no caso do atleta profissional.
Registro desde já que o contrato de trabalho do atleta profissional envolve algumas especificadades, se fizermos uma comparação com os demais empregados regidos pela CLT. Como Juiz do Trabalho, já tive a oportunidade de julgar alguns casos envolvendo jogadores de futebol, principalmente quando atuava em Vara do Trabalho que recebia muitos processos desta natureza, o que me impunha a necessidade de acompanhar de forma permanente a evolução da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho sobre a matéria.
Assim, a primeira questão a ser enfrentada consiste na análise da possibilidade da dispensa por justa causa na situação atual. É possível? Muito bem, o presente tema é disciplinado pelo art. 482 da CLT, o qual trata das condutas configuradoras de justa causa. No Brasil adota-se o sistema da tipicidade-legalista, ou seja, só são consideradas hipóteses de justa causa as condutas previstas como tais, não cabendo interpretação ampliativa.
No caso do goleiro Bruno, a pergunta é: em qual hipótese poderia haver o enquadramento da situação, de modo a configurar a justa causa? Não sei!
Abandono de emprego? Acredito que não, pois tal hipótese exige dois elementos, quais sejam, o afastamento (elemento objetivo) e a intenção de abandonar (elemento subjetivo). É bem verdade que a Súmula 32 do TST nos leva a reconhecer que 30 dias de afastamento faz presumir a intenção. Mas se trata apenas e tão somente de presunção.
E no caso, a prisão a que o goleiro está submetido não tem natureza de punição. Não há condenação. Ainda que alguns setores da sociedade contem com tal percepção ou já tenham firmado pessoalmente juízos condenatórios. Aliás, não há sequer processo criminal instaurado. Ou seja, apenas existe um inquérito, que ainda nem foi concluído. Portanto, a prisão é precária, é provisória, de caráter preventivo. Isto é, definitivamente, neste caso, ninguém ainda foi condenado.
Já julguei um caso em que o empregado havia sido dispensado por abandono de emprego, por estar preso preventivamente. E chegou a ficar afastado do emprego por mais de 30 dias. No entanto, não foi condenado criminalmente. Inclusive, o próprio Promotor de Justiça havia pedido a absolvição. Mas o fato é que havia o elemento objetivo (afastamento), mas faltava o subjetivo (intenção de abandonar).
Superado o abandono de emprego, qual seria a outra hipótese? O art. 482 da CLT, na alínea “d”, prevê que a condenação criminal, com trânsito em julgado (não cabimento de qualquer recurso) e sem a suspensão da pena, configura justa causa. No caso, não há dúvida de que o trânsito em julgado, ou seja, o final do processo criminal, com condenação e não cabimento de nenhum recurso, vai demorar para acontecer. Dessa forma, tal hipótese estaria descartada.
Outra possibilidade de configuração de justa causa seria a alínea “b”, também do art. 482 da CLT, a qual trata da incontinência de conduta, o que consiste em comportamentos moralmente censuráveis no âmbito social. Mas se não há condenação criminal, com juízo definitivo de autoria e materialidade, me parece difícil de aplicar esta previsão. Ao menos no momento atual, em que Bruno ainda não foi formalmente, criminalmente e judicialmente considerado culpado.
Ou seja, no cenário atual, fazendo uma avaliação com base nas informações da imprensa, me parece não ser fácil o reconhecimento da justa causa.
Superado este aspecto, vem a parte ruim para o goleiro Bruno. Se a justa causa eventualmente for reconhecida, qual seria o efeito jurídico? Diz o art. 28 da lei 9.615/98, a qual regula o contrato de trabalho do atleta profissional, que a multa rescisória corresponde a até 100 vezes o salário anual. Repito, 100 vezes o salário anual.
Dizem por aí que o salário mensal é de R$ 200.000,00. Então, façam a conta de quanto seria esta multa. Isto é, o resultado é o referido valor multiplicado por doze, que multiplica por 100. Pode ser que o contrato tenha pactuado a redução. Também há um mecanismo redutor no § 4º do citado artigo. Mas não seria pequeno o débito do goleiro para com o Flamengo.
Registro que a interpretação da referida regra passou por verdadeira evolução. Num primeiro momento se entendia que seria apenas devida pelo clube caso rescindisse o contrato com o atleta. Depois passou a ser considerada bilateral, ou seja, devida por ambos. Mas hoje a jurisprudência do TST considera que é unilateral e devida apenas pelo atleta ao clube.
Diante destas ponderações, superficiais, despretenciosas e realizadas com base em informações pouco precisas, já é possível ter uma idéia de que além de um contundente embate que haverá na esfera criminal, na esfera trabalhista também não será um processo fácil, caso venha a bater na porta do Poder Judiciário. E se assim for, bom trabalho ao colega Magistrado que tiver que julgar o processo!
OBS: Os esclarecimentos apresentados são relevantes não apenas para entender a presente situação que vem sendo noticiada, mas também pelo fato de que as regras e conceitos comentados são passíveis de cair em provas de concursos públicos e do Exame da OAB.